quinta-feira, 4 de agosto de 2011

"Hoje, minha influência é o cotidiano real"

Por Victor Affonso


Na segunda parte da entrevista, Emicida fala sobre a parceria com o Fora do Eixo, a experiência de tocar em um dos maiores festivais de música do mundo, nos EUA, o Coachella, entre outras novidades. Imperdível. Veja, leia e se intere:


EMICIDA ::: TRIUNFO from www.noiz.com.br on Vimeo.


Como você analisa essa parceria com o Fora do Eixo (FDE), que foi um grande incentivador do seu trabalho de uns tempos para cá?
Na verdade acho que esta parceria com o FDE é uma grande troca, porque o FDE me leva para lugares que não alcanço, assim como consigo levar o FDE para pessoas que não conheciam essa iniciativa. Primeiro que acredito na parada, e os caras acreditam em mim. Eu compreendo muito bem o formato que a música funciona no século 21 e eles também entendem. A nossa proximidade veio por causa dessa sinergia e da necessidade de tornar o circuito dos festivais independentes uma coisa mais de festa. Talvez, no sentido de variar e não ter só bandas de rock dentro do circuito. Se for ver, eu funciono meio que como um embaixador do rap dentro do FDE, porque levo essa informação para muita gente, eu falo para as pessoas do que se trata, realmente faço militância para que as pessoas conheçam todo o trabalho que a gente vem fazendo com o FDE, e entendo que esse pode ser um dos milhares de caminhos para fazermos com que a música circule de maneira honesta no século 21.

Você disse que sabe como a música funciona no século 21. E como o rap funciona hoje em dia?
Mano, o rap é uma música totalmente contemporânea. Ele consegue se adaptar ao tempo em que está vivendo de uma maneira fascinante. O rap de 1973 era um e o de 1974 já era outro, e assim consecutivamente, porque é uma música que bebe de várias fontes, embora haja um radicalismo por algumas partes. Então você vai ver o que o vagabundo fazia com o soul, o funk, R&B, o jazz... Hoje, as pessoas têm um leque maior de opções: podem misturar com baião, pop, xaxado, polca, música instrumental do leste europeu, música indiana, samba… Temos possibilidades maiores e o rap consegue visitar tudo isso. Na temática, acredito que a gente tem que ser menos limitado. Podemos variar e cantar sobre mais coisas, mais temas. Acho que somos bem pobres neste sentido, apesar de que têm surgido uns caras que conseguem abrir leques que são novos e interessantes. Por exemplo, tem um cara aqui em São Paulo chamado (Rodrigo) “Ogi” que lançou um disco que passeia bem por esse lance de o rap falar de outra coisa sem ser algo chato, e ele conseguiu fazer isso de uma maneira muito boa.

O Criolo (Doido, rapper paulistano parceiro de Emicida) tem umas coisas diferentes também...
(Interrompe) Mas o disco do Criolo é bem mais cantado. Para mim, é importante que tenhamos um disco de rap cantado da forma tradicional e que seja visto com essa grandeza aí. Mas, as pessoas precisam assimilar que um disco não precisa ser totalmente cantado, tá ligado? Quer dizer então que se a gente quiser que um disco seja reconhecido vamos ter que cantar, mudar a concepção de música, porque a crítica só reconhece pessoas que cantam? Não, eles que revejam os conceitos deles. O disco do Criolo é maravilhoso, mas é um disco cantado, ele queria fazer algo mais pancadão mesmo. Foda são as pessoas, que acham “não, o disco do Criolo é bom, porque ele canta”. Não, o disco do Crioulo é bom, porque ele é bom “pra caralho”! Não é só porque ele canta, não é o primeiro cara que canta rap e consegue imprimir umas boas melodias também. Eu acho que, politicamente, é muito importante que a gente tenha bons discos de rap feitos da forma tradicional, que sejam tão relevantes, mas as pessoas precisam aprender a reconhecer o rap da maneira crua, tradicional, e não fugir para outro argumento para não elogiar o gênero, como fazem. Tipo “eu sou o cara que faz o rap com jazz, com funk, com soul”. Não cara, faço rap, misturo, mas o que eu faço acontece já há 20 anos. O Criolo, por outro lado, bebeu de uma outra fonte. O que tá acontecendo aqui, é que tá todo mundo fazendo rap, e as pessoas que comentam e criticam precisam aprender a ampliar seus horizontes e reconhecer a grandeza de um disco feito tanto com música falada quanto algo diferente.

E a sua fonte de inspiração? Você fala muito nas suas músicas da guerra entre o “verdadeiro” e o “falso”, a vida na rua, na favela. Como isso te influência como artista?
Na verdade essas músicas são meio antigas, é um pensamento meio adolescente até. Vamos falar a verdade, né? (risos). Hoje, eu busco muito mais ser influenciado pela vida no sentido do cotidiano real mesmo: tem coisa boa e ruim acontecendo, então, só penso em ser honesto comigo mesmo. Tento fazer justiça aos dias que vivo. Conto coisas que já vivi, coisas que pessoas próximas a mim viveram, coisas que eu vejo e concordo, ou não concordo. Tudo isso entra na minha música de alguma maneira. Esse é o grande lance. A inspiração é e sempre foi a vida, não preciso ficar olhando pro mar ou pro horizonte para a coisa fluir. Para mim, a minha poesia estar restrita a um lugar, é muito pobre. Eu nasci compondo em meios adversos, entende? Não tinha sequer um papel para escrever, e agora tenho um leque maior de opções, mesmo sem precisar me tornar refém de nada dessas coisas. Procuro me manter próximo das pessoas que realmente me inspiram. Sou muito influenciado pela minha mãe, pelo jeito que ela vive e vê as coisas. Pela minha filha, que me inspira muito também. A simplicidade dessas pessoas é algo que mais me motiva a escrever.

Foto: Reprodução

Como foi tocar no Coachella (um dos maiores festivais de música no mundo, que acontece anualmente na Califórnia, nos EUA)? Teve aquele problema do atraso no voo que prejudicou sua apresentação…
(Interrompe) Não cara, não foi atraso no voo, foi atraso na imigração “Filha da Puta dos Estados Unidos da América” (Na ocasião, Emicida estava acompanhado de mais cinco pessoas).
O cara foi babaca e nos barrou, nos revistou, insinuou que a gente estava com drogas. O cara foi filha da puta mesmo, tá ligado? Eles (do departamento de imigração americano) duvidaram que éramos músicos, ficaram dando risada dos nossos passaportes, fazendo piadinha e acabou que ficamos três horas no aeroporto e perdemos o horário do show no Coachella. Íamos tocar no melhor horário e acabamos tocando no pior, tudo por causa da imigração. Para mim, foi uma oportunidade do caralho, foi um puta trampo, mas fiquei decepcionado por causa da burocracia da imigração. Eles deram um visto de apenas três dias! O Departamento de Imigração dos Estados Unidos ridicularizou a gente com um visto de apenas três dias, para humilhar mesmo.

E a plateia que assistiu o show?
Foi pequena, chutando alto, tinham 50 pessoas. Mas nós tocamos em Los Angeles, fizemos outros shows, que foram “da hora”, foram grandes, até. Claro, não foram megashows, mas a plateia teve uma boa recepção, o que nos deixou bem feliz. Mas se fosse só pelo show do Coachella, a gente teria voltado bem triste, porque a imigração realmente fez esse sonho se tornar bem menos bonito.

O que você pode adiantar sobre esse CD e documentário que estamos esperando, o “The Rise of Emicida”?
O “The Rise of Emicida” é um conglomerado das coisas que temos feito, nesse sentido de lançar a ascensão mesmo, mostrar que um dia a gente tá tocando num barraquinho no Cachoeira, e agora estamos conquistando o mundo. Então, o CD vai passar essa informação para as pessoas, por uma ótica interna, mostrando como as coisas ocorrem, a repercussão e a proporção das coisas.

E o CD em parceria com a Macaco Bong, vai sair?
Na verdade eu preciso estudar mais isso, porque quero participar com uma bagagem maior, musicalmente falando. Acredito que este trabalho tem um potencial muito grande e ainda me sinto pequeno, por isso preciso estudar para me tornar grande; é o que tenho feito. E aí sim, vou entrar em estúdio com a Macaco Bong e poder contribuir da maneira que acredito que a música deles merece.

Confira o vídeo sobre a Noite Fora do Eixo em Manaus com Emicida.



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